Como de costume, Maciel adentra ao cemitério público na
chuvosa tarde do mês de abril após encerrar seu expediente no escritório onde
trabalha. Sim, o rapaz possuía em seu espírito a curiosidade mórbida de
frequentar velórios e enterros mesmo sem conhecer o falecido ou, ao menos,
algum parente daquele que partira para a eternidade.
Tal mania o acompanhava desde sua adolescência e não era
bem vista pelos parentes e amigos. Mas ele não se importava com a repulsa que
isso causava nos seus e “passeava”, a esmo, pelo cemitério sempre que queria
meditar e filosofar sobre a vida e a morte. Chegava mesmo a imaginar seu
próprio velório, contabilizava quantas coroas de flores receberia e como seria
seu epitáfio.
Nessa tarde de abril ele percebeu que estava tendo um
velório e correu à capela a fim de saber
de quem se tratava. Aproximando-se do féretro, viu que dentro estava um jovem
pálido e sem vida que em breve seria sepultado.Esse era claro,cabelos castanhos
curtos e dotado de uma certa beleza.
Em volta do féretro, os familiares e amigos pranteavam a
morte prematura do moço, vítima de atropelamento no trânsito frenético próprio
das grandes cidades. Chamou-lhe a atenção uma jovem loira, de pele muito alva,
cabelos lisos e longos abaixo dos ombros. Era dotada de uma beleza rara, olhos
claros e lábios carnudos. Debruçava de forma débil sobre o morto, seu noivo, e
o beijava-lhe no rosto compulsivamente que era preciso ser contida pelos presentes
que comentavam entre si: -“Como Rosana o amava!”
Rosana era seu nome. Estavam de casamento marcado para
daqui a um mês, mas quis o destino separar-lhes! Ela usava uma calça jeans num
tom azul-escuro muito justa que lhe desenhava e marcava o belo corpo mas,
naquela comoção do velório, ninguém prestaria atenção numa mulher,ainda que
bela e transpirando sensualidade. Ninguém, exceto Maciel!
Ele ficou estático admirando o corpo desejoso daquela
jovem, aquele rosto de querubim que, lavado em lágrimas, dava a ela uma beleza
ainda maior, segundo Maciel. Logo, o rapaz passou para o outro lado da sala a
fim de contemplar por outro ângulo aquela noiva que sofria pela ausência eterna
do noivo falecido.
Maciel aproximou-se ainda mais do caixão para tentar
sentir o perfume que Rosana exalava, o qual conseguia vencer o cheiro dos
crisântemos murchos das coroas de flores e do éter usado na manutenção do
ambiente. Passou, então, a olhar fixamente para seus seios que se deixavam
levemente à mostra cada vez que ela se abaixava para beijar o morto!
Logo, o caixão foi
fechado e os parentes e amigos do falecido iam, um a um, retirando-se da capela
para acompanhar o enterro, inclusive a desconsolada Rosana. Amparada pelos
braços, ela seguia naquela marcha dolorosa e surda atrás do caixão de seu amado
para sepultá-lo.
Atrás dela seguia Maciel, excitado e apaixonado por
aquela jovem. Ele a devorava e a despia com os olhos cobiçosos e lascivos. A
cada passo de Rosana ele admirava mais e mais o balanço de seu quadril, o
movimento de suas longas e grossas pernas.
Por um momento, Maciel sentiu-se um canalha ao desejar
tanto o corpo daquela alma sofrida e apaixonada. Bateu-lhe um remorso por tudo
aquilo e ele abaixou os olhos para seus próprios pés mas, logo, o êxtase,o
delírio e a luxúria do pecado invadiram novamente seu ser e ele voltou a cobiçá-la
mais e mais... -“Para o inferno o remorso!”
Chegou a imaginar como teria sido a intimidade de Rosana
com aquele noivo que agora tinha seu corpo encerrado naquele caixão, sem vida, prestes
a ser sepultado. No seu íntimo, teve um sentimento de alegria ao imaginar que
aquela jovem não seria mais tocada pelas mãos do amado que, agora,estavam duras
e cruzadas sobre o peito segurando um crucifixo de metal!
Logo, Maciel passou a sentir uma inveja mortal daquele
homem “encaixotado” e frio que estava a alguns metros na sua frente caminhando
para a última morada. Calculava o quanto ele, vivo, já desfrutara do corpo de
Rosana e das delícias proporcionadas pelos beijos daqueles lábios carnudos
cobertos por batom.
Vibrou, internamente, quando o coveiro depositou sobre o
ataúde de “seu rival” a última pá de terra fria,úmida e pesada! E, ao escutar
Rosana jurar ao pé daquela sepultura que ela jamais teria outro homem na sua
vida,balbuciou para si mesmo: - “Ele merece os sete palmos de terra.Pois
que fique aí para sempre”!
A garoa apertava e a multidão deixava o cemitério, pois
nada mais ali havia para ser feito. “Consummatum est!”
Porém, Maciel permanecia imóvel ao lado da sepultura
avistando Rosana sair de lá “balançando” aquele esbelto corpo que ele tanto
desejava naquele momento.
Alguns meses se passaram e foi erguido um grande mausoléu
revestido de mármore em estilo barroco pela família do finado que era muito
abastada e não media esforços para homenagear a memória daquele moço. Aquilo
acabou sendo uma espécie de capela, um santuário onde os parentes entravam para
acender velas ou mesmo para orar pela alma daquele desgraçado em dias santos.
E foi justamente lá, naquele memorial, que, no fim da
tarde de um certo dia, Maciel e Rosana se entregaram à volúpia daquela tórrida
e imunda paixão iniciada no enterro de seu noivo. As juras de amor proferidas por Rosana ao finado no dia de seu
enterro, ao pé de sua sepultura, são ditas aos ouvidos de outro entre gemidos
de prazer e ardor.
Sim,
parece incrível, mas, a última morada daquele ser tão amado outrora pela noiva
quando vivo transformou-se num leito lascivo e pecaminoso de Maciel e Rosana
sob a anuência tácita do noivo sepultado!